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O tão Ser dos sertões de Euclides

27/06/2016 23:58

O poético não implica a exclusão deste ou daquele nível de linguagem, nem restringe a efeitos  estéticos ou estilísticos. A poesia não consiste em “acrescentar ao discurso ornamentos retóricos”,mas numa potência criadora que não só é capaz de reformular a linguagem como um todo, mas também de reconstruir, renovar o  universo cultural no qual emerge. (MARQUES:1990,122).

 

 

 

 

       

 

   Adentrando por entre a floresta de palavras vivas da literatura euclidiana, experimentamos, verdadeiramente, um mundo de tiroteios, luares, estrelas, soldados, farrapos, mulheres e crianças. Percebemos, assim, a imanência do bem e do mal que faz de toda a humanidade vítima da sua própria errância. Um mundo, se nos apresenta,  onde homem e natureza se completam fazendo-nos aproximar de uma realidade de sol escaldante e de uma amplitude assustadora. A realidade transforma-se em frio insuportável e a terra toma forma, em sua organicidade, por meio de uma luta incessante pela vida. Muito mais que uma descrição da campanha contra Conselheiro e seus seguidores no Arraial de Canudos, Os Sertões, de Euclides da Cunha, passa a ser uma construção artística poética na medida em que faz uso da linguagem como caminho desbravador e instaurador, a saber, um caminho - por vezes dentro do evento e com perspectivas variadas - para o entendimento da relação do homem com o mundo.  A consciência da errância  a qual a  humanidade está entregue encontra lugar nas linhas da narrativa euclidiana que, entre outros mestres, encontrava em Humbodt uma fundamentação teórica-artístico-político-filosófica. Esta pequena passagem de “Quadros da natureza”  nos dá a medida da admiração  de Euclides por Humboldt fazendo-se refletir em  diversas passagens de Os Sertões

 

Assim é o homem, quer se vá buscar ao ínfimo grau de selvageria animal, quer aos àpices da civilização, prepara sempre para si mesmo uma vida cheia de provações. É assim que  o viajante, percorrendo a superfície do globo, se vê perseguido, por mar e terra, como o historiador no seu percurso através dos séculos, pelo espetáculo uniforme e desolador das dissensões  da raça humana.(...) Assim morrem e desaparecem  as  raças humanas! Assim se perde o ruído que o seu nome produziu! Mas, se todas as flores  do espírito  murcham, se o tempo arrasta nas suas tormentas as obras do gênio criador, do   seio da terra brota sempre nova vida. A natureza fecunda  desenvolve incessantemente os seus germes sem que pareça inquietar-se em investigar se o homem, raça implacável , há -de   destruir o fruto antes da sua maturação.   (HUMBOLDT:1952,págs.28 e 233)     

 

 

  Euclides da Cunha fora enviado como correspondente jornalístico  para relatar  os  acontecimentos e a campanha que tinham como objetivo desbaratar o movimento  considerado ameaçador à, então, República instituída. Como podemos constatar, na própria fala de Euclides, há uma mudança de entendimento do que era, na verdade, aquela campanha. Ele se depara com  outra realidade e em uma tomada de consciência nos diz:

 

 A história militar é toda feita de contrastes singulares. Além  disso a guerra é uma cousa monstruosa e ilógica em  tudo. Na sua maneira atual é uma organização técnica superior. Mas inquinam-na todos os estigmas do banditismo original. Sobranceiras ao rigorismo da estratégia, aos preceitos da tática, à segurança dos aparelhos sinistros,  toda a atitude de um arte sombria. (CUNHA:2008,pág.256)

 

 

   Na medida em que Euclides vê a desvantagem e a injustiça que estão cometendo contra aquela gente, passa a  relatar, a seu modo, tudo aquilo que lhe aparece fazendo, desta forma, um caminho inesperado e desconcertante. Devemos, certamente, nos questionar por quais motivos Os Sertões apresenta esta qualidade de narrativa poética, ganhando aspectos artísticos por fazer do homem e de sua relação com a terra, seus protagonistas.

    Ao colocar a terra como personagem principal de sua narrativa cosmogônica - onde as forças da natureza relacionadas com o homem produzem o movimento da vida que vai refletir na sua manutenção ou extinção -,Euclides da Cunha faz a escolha por um caminho nunca antes trilhado pela literatura brasileira. Sua escritura  o aproxima dos clássicos e do pensamento originário encontrado entre os pré-socráticos.

    Além de observarmos, na escritura euclidiana, a diluição dos gêneros literários, o autor de Os Sertões faz uso de conhecimentos científicos que, na época, ainda encontravam-se  em processo de gestação. Nos é clara a perspectiva mito-poética da qual está revestida a obra. A escrita evoca a força da terra em uma relação de constante mudança. Esta relação se dá em um movimento de conflito ou contrastes. Tal movimento possibilita a renovação e a constante mudança, ou seja, em Os Sertões tudo está em constante mudança. O conflito entre os agentes não é negado, muito pelo contrário, faz-se presente nas mais diversas passagens como, por exemplo, na descrição do soldado morto onde a vida de um mundo preserva o corpo de um homem na sua morte que, pelo autor, é apresentada como um descanso.

 

 

E estava intacto. Murchara apenas. Mumificara conservando os traços fisionômicos, de um a incutir a ilusão exata de um lutador cansado, retemperando-se em tranquilo sono, à sombra daquela arvore benfaseja. Nem um verme- o mais vulgar dos trágicos analistas da matéria- lhe maculara os tecidos.  (CUNHA:2008, pág.39).

 

 

 A descrição deixa de ser simplesmente a mostra de uma realidade e passa a ser a própria realidade falando, ao leitor, por meio da linguagem poética.  Aqui, o autor nos faz experimentar a sensação de morbidade e desgaste a partir da brutalidade e da inumanidade vividas por aquele soldado. Ao mesmo tempo, a força da natureza ao conservar intacto o corpo, apresenta-nos uma cena onde vida e morte fazem parte de um todo (uno). Observamos um movimento de ocultação/desvelamento presente em toda obra de Euclides da Cunha. Para nos mostrar a invisível presença da natureza atuante, o autor se vale da figura do soldado morto. Sua morte vista por qualquer um revela apenas o fim a vida, mas na ótica euclidiana ela retrata parte de um todo maior em constante movimento.  Heidegger,  em  a Origem da obra de arte, nos ajuda a entender o caráter poético desta passagem :

 

 A terra só irrompe através do mundo , o mundo só se funda na terra na medida em que a verdade acontece como o combate  original  entre clareira e ocultação.  Mas como é que a verdade acontece? Respondemos: acontece em raros modos essenciais. Um dos m   odos como a verdade acontece é o ser-obra da obra. Ao instituir um e ao produzir a terra, a obra é o travar desse combate no qual se disputa a desocultação  do ente na sua totalidade, a verdade.  (HEIDEGGER:1977,pág,44).

 

 

   Na citação acima observamos o processo de desocultação que acontece a partir do ser-obra da obra.  Na medida em que Euclides considera a natureza como ser, esta desoculta-se a cada confronto que se estabelece entre a terra e o homem ou da terra com ela mesma nos seus ciclos e mudanças. Tais confrontos fogem ao controle da humanidade.

                    

Para pensarmos o ser, não é necessário o aparecimento festivo na veste de uma erudição pretensiosa ou no aparato de estados raros e excepcionais o ao modo de uma submersão e excesso místicos num sentido mais profundo. Tudo o que é necessário é o simples despertar na proximidade de todo e qualquer ente em sua disposição e inaparência,  despertar este que, repentinamente, vê que o ente “é”.(HEIDEGGER:2008,pág.214).

   

  

  A par dos avanços científicos da época nos diversos campos do conhecimento  humano, Euclides opta pelo caminho contrário ao determinismo cientificista, herdeiro do princípio da identidade onde as coisas são extáticas e só mediante  esse termo poderiam ser analisadas e descritas.   Isso  nos faz entender, de certa forma, a   força expressiva nas linhas de Os Sertões, pois  a vida e a realidade não podem ser descritos por um imobilismo cientifico a exemplo do elemento água que não se reduz a duas moléculas de de hidrogênio e uma de oxigênio.  Essa  visão caberia apenas ao químico, desse mesmo modo, o homem sertanejo de Euclides vê o mundo a partir de uma  perspectiva própria.

 

Como atualmente sabemos que a teoria convencionalista da ciência, sustentada por Poincaré, antecipa a revolução do novo espírito cientifico do séc. XX, compendiada nas geometrias não euclidianas, na física não newtoniana, na epistemologia não cartesiana , possível se torna reconhecer que Euclides estava a par do conhecimento de ponta em seu tempo. O talento do estudioso apaixonado pelo filosofar que se aprende , e não pelo sistema que se ensina, levou Euclides a se intimizar com pensadores refratários à inflexão inercial  dos especialistas que se comprazem no saber previamente consabido.

(SOUZA:2008,pág.134)  

 

  Euclides nos faz ver o cenário da guerra em seus acontecimentos, por meio do olhar desses agentes que ora são os soldados do governo, em suas  mal fadadas empreitadas, ora são os divinos seguidores de Conselheiro, em sua  assustadora resistência.  Numa perspectiva antropomorfizada, Euclides  atribui características humanas à  vegetação da caatinga que faz as cercanias de Canudos.  Assim, entre a  visão cientificista e a pré-cientifica nos parece ser a segunda a mais evidenciada em Euclides. Nas palavras de Carneiro Leão:

           

 

Antes de qualquer ciência a vida humana já é dinamizada pelo jogo dos  chamados fenômenos existências: do amor e concorrência, do trabalho  e luta pelo poder, do respeito aos imortais e medo da morte. A vida pré-cientifica tem profundeza e superfície. Conhece a banalidade do dia-a-dia e as horas de sua grandeza.

 (CARNEIRO LEÃO:1977,pág,15).

 

 

    A partir de aspectos banais do dia-a-dia, que Euclides nos apresenta um mundo específico. No entanto aquilo que era banal deixa de ser ao desocultar uma realidade que “ama estar escondida” e que nenhuma teoria científica é capaz de fazer vir a tona.

   Quem procura Os Sertões para confirmar datas, descrições pormenorizadas de locais  de batalha, logo se vê frustrado tal o descompromisso de Euclides com a objetividade dos acontecimentos.

    Em suas dinâmicas de crescendo e diminuendo, partindo de um repouso até alcançar o climax, em um mesmo parágrafo, modula ora  para tons maiores ora para tons menores demostrando, desta forma, aquilo que, em música, denomina-se um colorido tonal. Ousamos  dizer que Euclides, a exemplo de homens que estavam a frente de seu tempo, rompe totalmente com os paradigmas literários de sua época ficando, assim, relegado a um ostracismo literário. Justamente porque apontava para um futuro de fusão dos campos de conhecimento .  Já na segunda metade do séc XIX preconizava o que hoje denominamos de interdiciplinaridade.   Dissolve-se, em sua obra, o conceito de gênero literário, ou seja, não há classificação possível no qual a obra se encaixe ,  o que dificulta,  em muito, a sua compreensão por parte de seus contemporâneos. Ao mesmo tempo, percebemos, na escrita Euclidiana, um quê de mitológico, na medida em que o autor reconhece o pulsar da terra, sua organicidade, sua total revelia aos planos do homem, como lê-mos no seguinte trecho:

            

 A morfologia da terra viola as leis dos climas. Mas todas as vezes que o faceis geográfico não as combate de todo a natureza reage. Em  luta surda , cujos efeitos fogem ao próprio raio dos ciclos históricos, mas emocionante, para quem consegue lobriga-lo ao  través dos séculos sem conto, entorpecida sempre pelos agentes adversos, mas tenaz, incoersível se transmuda por intuscepção indiferente aos elementos que lhe tumultuam a face.   (CUNHA:2008.pág, 61).                                                            

 

    

  O aspecto mitológico da obra de Euclides da Cunha nos remete a uma forma de vida que também é por ele denunciada e mesmo confrontada, a saber, as leis e normas científicas representadas pela sociedade “civilizada” e pelo governo (que lhe envia como correspondente). Estas   vão de encontro a um mundo pré-científico onde o homem convive e se relaciona com a natureza e com o mundo sobrenatural de forma muito particular. Podemos observar tal convívio  nas passagens em  que Euclides registra a chegada incessante de homens e mulheres ao Arraial de Canudos, gente esperançosa que acreditava  pisar em solo santo, liderados por Antonio Conselheiro,homem

 

que reunia no misticismo doentio todos os erros e surpertições que formam o coeficiente de redução da nossa nacionalidade. Arrastava o povo sertanejo não porque dominasse,mas por que o dominavam as aberrações daquele. Favorecia-o o meio e ele realizava, as vezes, como vimos , o absurdo de ser útil. Obedecia a finalidade irressistivel de velhos impulsos ancestrais; e julgado por ela espelhava em todos os atos a placabilidade de um evangelista incomparável. (CUNHA:2008,pág,181).

 

 

  

 

    Na descrição que Euclides faz de Conselheiro percebemos a perplexidade do autor diante da figura do líder religioso. Ao mesmo trecho, encontramos uma certa repugnância  pelo fato de Antonio Conselheiro cometer o “absurdo de ser útil” e a devoção cega prestada ao povo. Ao final da citação, há ainda o reconhecimento da grandeza daquele homem  que a despeito de todo “coeficiente de redução da nossa nacionalidade” demonstrava -se um “evangelista incomparável”. Euclides deixa escapar um certo  assombro causado pela figura de Antonio Conselheiro somado à crença do povo que afluia para o arraial. Ele mesmo nos diz:

                      

Dia-a-dia chegavam ao arraial singulares recem vindos absolutamente desconhecidos. Vinham debaixo do cangaço.(....)entravam pelo largo sem que lhes indagassem a procedência, como se fossem antigos conhecidos.  A todo momento, pelo alto das colinas, apontavam grupos de peregrinos em demanda da paragem lendária, trazendo tudo, todos os haveres ; muitos carregando em redes os parentes enfermos ansiando pelo último sono naquele  solo sacrosanto.(CUNHA:2008,págs.302e 298).                                

                              

 

  Na apresentação da sociedade canundense que se formava, movidos pela fé sobrenatural, Euclides , em contraponto nos mostra também a sociedade que financiou a busca e invasão a Canudos. Desta maneira justificamos a visão anteriormente desenvolvida, a saber, aquele  em que duas instâncias convivem ou dois mundos existem paralelamente. O mundo científico com todo um aparato técnico (bélico) representado pelo governo republicano e que, nas palavras de Euclides, era uma

 

 

 

sociedade que progredindo em saltos, da máxima frouxidão ao rigorismo máximo, das conspirações incessantes aos estados de sítio repetidos, parecia espelhar incisivo contraste entre a sua organização intelectual imperfeita e a organização política incompreendida. (CUNHA:2008,pág.284).

 

 

    E o  mundo pré-cientifico, representado pela forma  de vida de Antonio Conselheiro e seus seguidores. Esta vida,por sua vez, cercada de toda dificuldade  material ( onde as relações entre as pessoas era o que mantinha de pé o ideário) acaba sendo apresentada por Euclides como o verdadeiro motivo pelo qual todos deveriam viver. Aqueles que inicialmente possuíam  a razão tornam-se os verdadeiros vilões que em nome da ordem social cometem o crime apoiado pelas instituições constituídas.

 

 costuma-se distinguir a vida ´pré-científica da atitude científica. Nesta distinção  a vida pré-científica se nos afigura mais ampliada, mais rica e variada. É tecida de comportamentos e relações que se entrelaçam numa infinidade de setores; no campo das atividades práticas, do uso e confecção das coisas, no terreno da comunicação religiosa com poderes divinos , na esfera da convivência social com outros homens.

  (CARNEIRO LEÃO:1977,pág.15)

 

 

 O fato é que o mundo instaurado pela obra de Euclides só é possível de ser visto em virtude  do caráter mito-poético do qual está impregnado a sua escritura. Euclides se vale de um falar que cria a sua linguagem à medida que prossegue falando. Poesia é continua invenção de linguagem . A linguagem da poesia é sempre e de cada vez um vir a ser. (SOUSA:1995. Pág,117).    

   A terra, o homem, a luta em sua constituição estão em um eterno devir, onde os opostos apresenta-se em constante conflito gerando a dialética heraclitiana na qual não há síntese,  apenas o movimento entre contrários que faz brotar a vida. Quando usamos a expressão “tão Ser” dos Sertões entendemos que há na obra de Euclides da Cunha o acionamento de um descobrimento de algo que é, mas que só se mostra neste conflito. Aquilo que se mostra em Os Sertões, a saber; um mundo em movimento, é a manifestação da physis em seu surgimento incessante

 

só pensa originalmente a [physis] como junção como [harmonia] que reajunta o surgimento no abrigo do encobrimento, permitindo, assim, que o surgimento vigore como o que brota essencialmente desse abrigado encobrimento. É o que chamaremos, com maior propriedade de descobrimento.(HEIDEGGER:1998,pág.171).

 

 

     A partir de uma perspectiva ontológica podemos aprofundar nosso olhar sobre a obra de Euclides da Cunha pois o desocultar, aqui, se move em diversas direções.  Desoculta-se a realidade sofrida do povo nordestino. Sob o olhar do geólogo desoculta-se toda uma organicidade da terra.  Desoculta-se a verdadeira face daqueles que, dizendo-se civilizados, cometem as maiores barbaridades e, finalmente, se nos apresenta a face crueu da errância humana. Os dois lados, tanto o do Conselheiro quanto  o dos soldados da República, são mostrados naquilo que possuem de verdade e  de erro. A humanidade se vê em  fogo cruzado na manutenção do mesmo em detrimento do outro, na sua  luta pela sobrevivência. A poética de  Euclides, ao fazer uso da narrativa ficcional, aproxima-se também de um pensamento originário encontrado entre pensadores pré-socráticos fazendo desvelar toda a magnitude da vida que brota da terra e da humanidade em uma luta constante.

 

A memória, não-esquecimento , não é a rememoração da história de um eu individual, mas de todos os éonta que nos rodeiam, homens e coisas. A  reflexão arcaica não é a de um eu  individual , ela passa pelas coisas à nossa volta.  (MARQUES:1990,pág.104).        

 

      

    A medida que lêmos a “Os Sertões” nos damos conta da complexidade existente na escrita euclidiana. Portanto, neste trabalho, limitamo-nos a mostrar alguns aspectos que nos chamam atenção na escritura de Euclides da Cunha, a saber a  multivisão da realidade que o cercava, sua consciência com relação ao erro da campanha militar produzida pela república, o uso da palavra pensante e o universalismo de sua literatura.                          Em certa medida Euclides parece usar Canudos como pré-texto para falar de um conflito em que a humanidade está entregue.  Acreditamos que de onde olhamos  conseguimos mostrar, ou pelo menos  suscitar a curiosidade de futuros leitores em função de uma recepção menos escolástica e preconceituosa  de Os Sertões.  Não negamos os  problemas apresentados pelo autor, mas é ai que apostamos, em sua engenhosidade e originalidade, o que, ao nosso ver,  o distância de concepções classificatórias para o aproximar da mais alta literatura, aquela que permanece a despeito do tempo, das novidades e das convenções, pois como nos diz  Ronaldes de Melo e Souza;

 

 

 

 

 

O mais importante é que a vibração emocional do narrador se representa como meio de auto-descobrimento. Ele se transforma ao observar a natureza em mutação. Todos os seus sentidos se mobilizam como intermediários da manifestação processual e de sua recepção comovida. A natureza fala aos sentidos aguçados do narrador itinerante através de milhares de manifestações. Suscita o intercâmbio dialógico do narrador em movimento e da natureza em transformação. O que aparece se apresenta como epifania da linguagem natural, escritura sigilosa das coisas, que o narrador tenta decifrar.  O narrador euclidiano se legitima como geopoeta, porque efetiva a reconciliação do homem com o princípio telúrico da formação e da transformação incessante. Abdica de considerar a natureza com o olhar eidético da filosofia ou com a inspecção calculadora da ciência, porque a visão estática da filosofia e da ciência apenas converte a vitalidade da natureza no sistema metafísico da objetividade disposta no regime de representação matemática da  subjetividade. Na visão do geopoeta, o sujeito jamais se representa divorciado do próprio corpo, abstraindo-se do contexto telúrico. Enquanto geopoeta, o narrador euclidiano se enraíza no solo mátrio da terra, porque reconhece que o princípio telúrico rege toda a natureza, inclusive a humana. (SOUZA: 2003)

 

 

 

 

 

 

 

Bibliografia;

ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Ars Poética, 1993.

CARNEIRO LEÃO,Emmanuel. Aprendendo a pensar. Rio de Janeiro:Editora Vozes, 1977.

CUNHA,Euclides da. Os Sertões. Rio de Janeiro:Editora Record, 2008.

HUMBOLDT, Alexandre de. Quadros da natureza. São Paulo: Clássicos Jackson, 1952.

HEIDEGGER,Martin. A origem da Obra de arte. Lisboa: Edições 70,1977

________________  Heráclito.  Rio de janeiro: Relume Dumará,1998.

_________________ Parmênides. Petrópolis: Ed. Vozes,2008.

MARQUES,Marcelo Pimenta. O caminho poético de Parmênides. São Paulo: Loyola,1990.                  

SOUZA,Rolnades de Melo .Geopoética de Euclides da Cunha.  em www.casaeuclidiana.org.br, 2003/2008.

SOUSA,Eudoro de. Mitologia II:história e mito. Brasília: Editora universidade de Basília,1995.

________________Horizonte e complementaridade. São Paulo: Duas cidades,1975.